Evandro de Oliveira Tinti (*)
INTRODUÇÃO
As relações de trabalho atuais,
especialmente a relação de emprego, guardam certas contradições e interesses
opostos de seus sujeitos que nem sempre são perfeitamente pacificados, às vezes
perdurando-se mesmo após o término do contrato de trabalho, de modo que alguns
problemas mal resolvidos durante o contrato, aliados à má índole de alguns,
podem levar a práticas ilícitas posteriores.
Existe a possibilidade de que
conflitos entre os antigos sujeitos da relação de emprego não tenham qualquer ligação
com o trabalho, originados de outras relações civis, mas muitas vezes ocorrem
atos ilícitos posteriormente ao contrato de trabalho e relacionados a este.
E são estes conflitos decorrentes
da relação de emprego, especialmente os danos extrapatrimoniais ocasionados ao
trabalhador, ainda que originados não contemporaneamente ao período contratual,
que serão objeto de estudo do presente artigo.
É necessário analisar-se,
primeiramente, os limites da responsabilização do empregador por estes atos
ilícitos posteriores ao contrato, ao mesmo passo em que deve ser verificada a
competência material para apreciação destas lides e a prescrição aplicável
neste caso, o que justifica esta análise minuciosa da responsabilidade pós-contratual
das partes da relação de emprego, a partir do método dedutivo, com análise da
legislação, da doutrina e da jurisprudência que guardem relação com o tema.
Assim, a presente pesquisa tem
por objetivo averiguar qual a responsabilidade do empregador nestes casos,
verificar se a competência material deve ser da Justiça do Trabalho, bem como
analisar a prescrição aplicável ao caso, e a forma de sua contagem.
1 DA BOA-FÉ OBJETIVA
O princípio da boa-fé objetiva teve
origem no Direito Romano, estando inserido também em diversos outros
ordenamentos jurídicos em várias sociedades e épocas, com outros contornos, mas
mantendo a mesma essência.
Sobre a origem da boa-fé objetiva
assim ensina Sérgio Cavalieri Filho:
Nos primórdios do Direito
Romano cultuava-se a deusa Fides na
celebração dos negócios. A palavra fides
deu origem a fidelidade, cujo sentido
era puramente ético. Ao termo fides
foi acrescido o substantivo bona,
para designar o comportamento que se espera da parte [...].
Este princípio pode ser descrito,
em síntese, como um princípio norteador de comportamento de sujeitos de
uma relação contratual, que exige lealdade entre ambos, ao exercerem seus
direitos, ainda que ostentem interesses diversos, e que todas as condutas
realizadas sejam respeitosas aos direitos alheios.
O autor Sérgio Cavalieri Filho explica
a boa-fé objetiva da seguinte forma:
Em sua função de controle,
que aqui nos interessa, a boa-fé representa o padrão ético de confiança e lealdade
indispensável para a convivência social. As partes devem agir com lealdade e
confiança recíprocas. Essa expectativa de um comportamento adequado por parte
do outro é um componente indispensável na vida de relação. Conforme já
destacado, a boa-fé, em sua função de controle, estabelece um limite a ser
respeitado no exercício de todo e qualquer direito subjetivo.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho também discorrem sobre a boa-fé objetiva, explanando que este
princípio “consiste em uma verdadeira
regra
de comportamento, de fundo ético e exigibilidade jurídica”.
No Código Civil a boa-fé objetiva
está referenciada basicamente em três artigos, 113, 187 e 422, que dispõem:
Art. 113. Os negócios
jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua
celebração.
[...]
Art. 187. Também comete ato
ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.
[...]
Art. 422. Os contratantes
são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução,
os princípios de probidade e boa-fé.
Este último dispositivo legal é
interpretado extensivamente, porque não somente na contratação e na execução do
contrato deve ser observada a boa-fé, mas também após o seu término.
Nesse sentido leciona Sílvio de
Salvo Venosa, expondo o seguinte:
Coloquialmente, podemos
afirmar que esse princípio da boa-fé se
estampa pelo dever das partes de agir de forma correta, eticamente aceita,
antes, durante e depois do contrato, isso porque, mesmo após o cumprimento de
um contrato, podem sobrar-lhes efeitos residuais.
Por isso, sendo princípio
universal das relações contratuais civis, o princípio da boa-fé objetiva deve
ser aplicado ao Direito do Trabalho e ser observado também pelas partes da
relação de emprego, tanto no período pré-contratual, quanto no período
pós-contratual, como medida de segurança jurídica para a sociedade e, no caso
das relações de trabalho, especialmente, pela proteção do trabalhador e de sua
dignidade humana.
2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL NA RELAÇÃO DE
EMPREGO
A Responsabilidade Civil prevista no Código Civil brasileiro sustenta-se
em duas situações, o ato ilícito e o abuso de direito, previstos nos artigos
186 e 187, respectivamente. Ocorrendo qualquer destas hipóteses, e
resultando-se em dano, material ou moral, nascerá direito à reparação, assim
como prevê o artigo 927 deste mesmo Código.
E embora seja difícil a fixação de indenização equivalente, especialmente
na hipótese de reparação de dano moral, o juiz do trabalho deve fixar a
indenização a partir da extensão do dano, nos termos do artigo 944 do Código
Civil brasileiro.
Ao mesmo tempo, no momento da fixação da indenização, deve ser considerado
que esta tem funções importantes, tais como o caráter pedagógico e desmotivador
de novas condutas pelo agente agressor, além da reparação estimada dos danos
sofridos pela vítima, dentre outras.
Tais disposições são aplicáveis à relação de emprego, do mesmo modo que a
boa-fé objetiva, tendo em vista o disposto no parágrafo único do artigo 8° da
CLT, ao garantir que: “O direito comum será fonte subsidiária do direito do
trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais
deste”.
A doutrina e a jurisprudência são pacíficas nesse sentido, sendo
importante citar como exemplo os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves, asseverando que: “O empregador responde pela
indenização do dano moral causado ao empregado, porquanto a honra e a imagem de
qualquer pessoa são invioláveis (Art. 5°, X, CF)”.
E para serem aplicadas à relação de trabalho, as normas sobre Responsabilidade
Civil devem ser examinadas à luz do princípio da proteção e da defesa da
dignidade do trabalhador, princípios norteadores desta relação jurídica peculiar,
assim como ocorre na relação de consumo, tendo em vista a hipossuficiência,
quase sempre vulnerabilidade, do empregado em relação ao empregador.
Sobre o tema assim sustenta Amauri Mascaro do Nascimento:
Os direitos de personalidade
nas relações de trabalho destacam-se pelo seu significado, tendo em vista a
defesa da dignidade do trabalhador. Há valores protegidos pela lei, como a
personalidade e a atividade criativa, tão importantes como outros direitos
trabalhistas, sem os quais ao trabalhador, como pessoa, não estariam sendo
prestadas garantias respeitadas quanto a todo ser humano, muitas se confundindo
com os direitos humanos fundamentais, outras com os direitos de personalidade,
todas tendo características peculiares em função do pressuposto que as
justifica: a relação de emprego.
Deste modo, verifica-se que são pacíficas a doutrina e a jurisprudência
quanto à aplicação da Responsabilidade Civil por danos patrimoniais e
extrapatrimoniais nas relações de emprego, observados os princípios gerais do
Direito do Trabalho, o que não poderia ser diferente, restando maior discussão
sobre a competência material para apreciação das lides sobre estes temas, o que
será oportunamente tratado.
3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL ADVINDA DE ATO
ILÍCITO OCORRIDO APÓS O TÉRMINO DA RELAÇÃO DE EMPREGO
Não é incomum que, após o fim da relação de emprego, as partes estejam
com os ânimos exaltados e às vezes terminem por praticar atos na tentativa de ofender
e atingir a outra de alguma forma, o que ocorre tanto por parte dos que foram empregados
como por parte dos ex-empregadores.
Muito embora ocorram atos ilícitos pós-contratuais também pelos
empregados, é mais comum que a ofensa parta do empregador, tendo em vista a sua
posição de superioridade econômica e social em relação ao empregado que, via de
regra, ainda que pretenda causar danos morais ou materiais ao ex-empregador,
não apresenta igual potencial e meios para isso.
O ex-empregador geralmente tem mais credibilidade diante dos possíveis
futuros empregadores de seu ex-empregado e de outros setores sociais que este tenha
certa dependência, podendo se aproveitar desta posição privilegiada para causar
danos ao trabalhador. Já o empregado, ainda que por algumas vezes possa tentar
ofender a empresa criando uma imagem negativa da empresa com ofensas ou
mentiras, raramente consegue prejudica-la perante a sociedade, os clientes e
fornecedores.
Com isso, há diversas hipóteses de atos ilícitos de ex-empregadores que
podem configurar danos pós-contratuais, patrimoniais ou, especialmente, extrapatrimoniais,
tais como “listas negras” com nomes de ex-empregados que se socorreram da
Justiça do Trabalho; ou simplesmente a difamação do trabalhador, geralmente de
forma verbal; ou, ainda, uso do nome de profissionais qualificados sem a sua
autorização; anotações desabonadoras ou falsas na Carteira de Trabalho e
Previdência Social; anúncio de abandono de emprego em jornais, quando na
realidade houve rescisão indireta; alegação de justa causa em contestação; dentre
outras formas de denegrir a imagem do trabalhador perante outras empresas e
perante a sociedade.
Nesse caso deve haver responsabilização do empregador da mesma forma que
há pelos danos ocasionados antes e durante o contrato de trabalho, sendo nesse
sentido a doutrina e jurisprudência majoritárias.
Assim explica Sérgio Cavalieri Filho:
Findo o contrato, mesmo que
seu adimplemento tenha sido integral e satisfatório, persiste uma fase
pós-contratual, durante a qual ainda estarão as partes vinculadas aos deveres
decorrentes do princípio da boa-fé. Em certos casos os deveres anexos ou
instrumentais do contrato persistem mesmo depois da sua extinção, gerando a
continuidade, no tempo, da relação obrigacional. O fornecedor tem que manter
peças de reposição e reparar os defeitos do produto; o patrão tem que dar informações
correras sobre o ex-empregado idôneo; [...]
Também há diversas decisões de tribunais, sendo citadas algumas das mais
relevantes nos tópicos seguintes, por abranger ambos os assuntos, evitando-se
repetição desnecessária.
4 DA COMPETÊNCIA MATERIAL
Quanto à competência material da Justiça do Trabalho para apreciar
reclamações trabalhistas sobre indenização por danos morais e materiais
decorrentes da relação de emprego, é expresso o texto constitucional, em seu artigo
114, inciso VI, ao definir que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar
“as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação
de trabalho”.
A jurisprudência, portanto, nos casos de responsabilidade por danos
ocorridos durante o contrato de trabalho é pacífica ao atribuir a competência
da Justiça do Trabalho, sendo uniformizado o entendimento do Tribunal Superior
do Trabalho por meio da Súmula 392 que assim dispõe: “Nos termos do art. 114,
inc. VI, da Constituição da República, a Justiça do Trabalho é competente para
dirimir controvérsias referentes à indenização por dano moral, quando
decorrente da relação de trabalho”.
Sobre a competência para apreciação do dano moral originado em momento
posterior à cessação do contrato de trabalho é que surgiram entendimentos
jurisprudenciais diversos.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 foram proferidas
várias decisões no sentido de que não seria da competência da Justiça do
Trabalho o julgamento destas demandas, mas sim da Justiça Comum, por não mais
existir relação de emprego, o que era entendimento minoritário.
Não obstante a este entendimento, a jurisprudência encaminhou-se
majoritariamente no sentido de ser da Justiça do Trabalho a competência nestes
casos.
O Supremo Tribunal Federal, logo no início da década de 1990, definiu a
questão, no Conflito de Jurisdição nº 6.959-6/DF, cujo relator foi o Ministro
Sepúlveda Pertence.
Em seu voto, argumentou que
O fundamental é que a
relação jurídica alegada como suporte do pedido esteja vinculada, como o efeito
à sua causa, à relação empregatícia, como parece inquestionável que se passa
aqui, não obstante o seu conteúdo específico seja o de uma promessa de venda,
instituto de Direito Civil.
E a ementa da decisão analisada é a seguinte:
JUSTIÇA DO TRABALHO:
COMPETÊNCIA: CONSTITUIÇÃO,
ART. 114:
ação de empregado contra o empregador, visando à observância das condições
negociais da promessa de contratar formulada pela empresa em decorrência da
relação de trabalho. 1. Compete à Justiça do Trabalho julgar demanda de
servidores do Banco do Brasil para compelir a empresa ao cumprimento da
promessa de vender-lhes, em dadas condições de preço e modo de pagamento,
apartamentos que, assentindo em transferir-se para Brasília, aqui viessem a
ocupar, por mais de cinco anos, permanecendo a seu serviço exclusivo e direito.
2. A determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa
a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a
promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha
sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho.
A partir deste entendimento, o Tribunal Superior do Trabalho formou
jurisprudência no mesmo sentido, sendo essencial citar abaixo algumas ementas
de julgados sobre o tema:
RECURSO DE REVISTA -
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL OCORRIDO EM
FASE PÓS-CONTRATUAL. A competência da Justiça do Trabalho é fixada em face da
causa petendi oriunda da relação de trabalho, inclusive em razão da irradiação
dos seus efeitos em momento pré ou pós-contratação. Portanto, todo conflito decorrente
da relação de trabalho, em qualquer de suas fases pré-contratual, contratual ou
pós-contratual, é da competência desta Justiça Especial. Trata-se de situações
que, embora anteriores ou posteriores à efetiva formalização do contrato de
emprego ou da relação de trabalho propriamente dita, geram efeitos jurídicos,
nos termos do art. 422 do Código Civil. Nesse passo, no caso sob exame, o
pedido formulado na exordial de indenização por dano moral, atribuída à
reclamada, em decorrência de ter utilizado o nome da reclamante, como
responsável técnica, em rótulos de seus produtos fabricados após a cessação do
contrato de trabalho firmado entre as partes, nitidamente enquadra-se na
competência estabelecida no inciso VI do art. 114 do texto constitucional, porque
decorre dos efeitos jurídicos oriundos da fase pós-contratual da relação de
trabalho, o que não transmuda a natureza trabalhista do litígio, inserindo-se,
assim, na órbita da competência da Justiça do Trabalho. Recurso de revista não
conhecido. [...].
SEGURO DE VIDA EM GRUPO.
CONTRATO DE TRABALHO EXTINTO. CLÁUSULA GERAL DA BOA-FÉ OBJETIVA. DEVER ANEXO DE
LEALDADE. VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RESPONSABILIDADE
PÓS-CONTRATUAL. CULPA POST PACTUM FINITUM. A partir da Constituição de 1988,
fincou-se de modo definitivo a opção política em estabelecer tratamento
privilegiado ao trabalho como elemento integrante do próprio conceito de
dignidade humana e fundamentador do desenvolvimento da atividade econômica, o
que representou um compromisso inafastável com a valorização do ser humano e a
legitimação do Estado Democrático de Direito, no qual se inserem o trabalho
enquanto valor social, a busca pela justiça social, a existência digna, a
função social da propriedade e a redução das desigualdades sociais, entre
outros princípios (art. 170). Essa inspiração principiológica - que deve servir
de vetor interpretativo para todo o sistema jurídico - modificou
consideravelmente nosso direito civil e, por conseguinte, representou uma
verdadeira virada de página no modelo instituído em 1916 e que em grande parte
foi e tem sido fruto da incorporação de teses consagradas pela jurisprudência
dos tribunais: o seu processo de constitucionalização e de despatrimonialização
no tratamento das relações privadas. Posto isso, é salutar mencionar a evolução
do direito obrigacional brasileiro que, sob o prisma desses princípios
constitucionais, consagrou expressamente a cláusula geral da boa-fé objetiva
(art. 422), que possibilita verdadeiro progresso e aperfeiçoamento na
construção do ordenamento jurídico; moderniza a atividade jurisdicional, na
busca do ideal de justiça, por permitir ao órgão julgador a solução de
problemas a partir da valoração dos fatos e concretização do que, até então, se
pautava no plano da subjetividade dos sujeitos integrantes da relação jurídica,
na perspectiva meramente individual, portanto, particularmente no que diz
respeito à função criadora de direitos e não apenas interpretativa. Isso porque
sua base inspiradora é o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III,
da CF), na medida em que o ser humano, como sujeito de direitos, pratica atos
que, à luz dos mandamentos constitucionais, devem estar adequados à sua própria
dignidade, da qual é, ao mesmo tempo, detentor e destinatário, fundamento e
inspiração, origem e destino. Referido postulado impõe na relação contratual a
noção de comportamento das partes pautado na honestidade, transparência e,
principalmente, na lealdade e na confiança que depositam quando da celebração
de um contrato. E de tal reconhecimento tem-se por conclusivo que em todos os
contratos existem os chamados deveres anexos. É pacífico na doutrina e
jurisprudência que a boa-fé objetiva tem ampla incidência em todas as fases da
relação obrigacional, em razão de que os contratantes devem seguir seus ditames
- lealdade e confiança - na celebração, na execução ou extinção da relação
jurídica. Do exercício da função criativa decorre que, além dos deveres
principais, devem nortear a relação contratual os deveres de informação,
proteção e lealdade, tradicionalmente exemplificados pela doutrina e
jurisprudência como sendo alguns dos deveres anexos ou de consideração,
decorrentes da chamada complexidade intraobrigacional. Dinâmicos por natureza,
referidos deveres impõem um padrão de conduta minimamente ético que deve se
estender mesmo após o término da relação contratual. Caso contrário, ou seja,
violado um dever específico de boa-fé, exsurge a responsabilidade
pós-contratual, a chamada culpa post
pactum finitum. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá
provimento.
A doutrina, por sua vez, também tem posicionamento majoritariamente no
sentido de ser competência da Justiça do Trabalho o julgamento de lides sobre
danos decorrentes da relação de emprego, mesmo após o seu término, desde que
guarde algum vínculo com aquela.
Nesse sentido, relevante citar as lições de Alice Monteiro de Barros:
Persiste a competência da
Justiça especializada sempre que a ofensa tenha vinculação com o contrato de
trabalho rompido. Dessa forma, se o empregador invoca situação que importa
afronta à honra da pessoa enquanto trabalhador, como no caso da improbidade,
compete à Justiça do Trabalho apreciar o feito.
Importante observar, além disso, que não será qualquer controvérsia
pós-contratual entre ex-empregados e ex-empregadores apta a determinar a
competência material da Justiça do Trabalho, mas tão somente aquelas lides que
versarem sobre danos relacionados de alguma maneira com a relação de emprego,
como, por exemplo, no caso de calúnia, ao imputar ao trabalhador crime
inexistente, ou difamação, para que não consiga novo emprego, com afirmações falsas
sobre ele, além de outras já mencionadas.
Deste modo, nos moldes das outras formas de Responsabilidade Civil por
dano decorrente da relação de emprego, é majoritário o entendimento de que a
competência material para apreciar as demandas sobre danos morais
pós-contratuais é da Justiça do Trabalho.
5 A PRESCRIÇÃO NO CASO DE DANO MORAL
PÓS-CONTRATUAL
Sobre a prescrição, em seu artigo 189, o Código Civil brasileiro assim
define: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se
extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.
A prescrição é, portanto, a perda da pretensão de exigibilidade de um
direito, enquanto este direito em si não é extinto pela prescrição, sendo neste
sentido as afirmações de Flávio Tartuce:
Na prescrição, nota-se que
ocorre a extinção da pretensão; todavia, o direito em si permanece incólume, só
que sem proteção jurídica para solucioná-lo. Tanto isso é verdade que, se alguém
pagar uma dívida prescrita, não pode pedir a devolução da quantia paga, já que
existia o direito de crédito que não foi extinto pela prescrição.
Tampouco a prescrição extingue o direito de ação, como defendia-se antes
da vigência do Código Civil, uma vez que o direito processual de ação e
constitucional de acesso à justiça são independentes do direito material em
discussão.
Nesse sentido são as lições de Alice Monteiro de Barros:
A função imediata da
prescrição é a extinção da pretensão, vista não como direito processual de
ação, pois este não é atingido por ela diretamente, mas como poder de exigir
uma prestação positiva (obrigação de dar ou de fazer) ou negativa (obrigação de
abster-se). [...] A prescrição é uma figura típica do direito material e não
processual. Envolve questões de fato. Daí se infere que sua função não é
extinguir ação, como se entendeu no passado, mas extinguir a pretensão.
No Direito do Trabalho existem dois prazos prescricionais, o quinquenal e
o bienal, sendo que, pelos ensinamentos de Maurício Godinho Delgado, a
prescrição quinquenal deve ser “contada do protocolo da ação, independentemente
de estar ou não extinto o contrato; já o prazo bienal passaria a atuar desde
que houvesse a extinção do pacto, fluindo, porém concomitantemente com o lapso
quinquenal”.
Por sua vez, a contagem do prazo prescricional nem sempre deve seguir
este termo inicial, pois em muitas situações o dano ocorre após o fim do
contrato de trabalho.
Assim, deve ser aplicável a teoria da
actio
nata, segundo a qual a contagem do prazo prescricional deve ter início a
partir do momento em que toma-se conhecimento da violação a um direito.
Nesse sentido, inclusive, existe jurisprudência consolidada no Superior
Tribunal de Justiça, que editou a súmula 278, definindo que: “O termo inicial
do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve
ciência inequívoca da incapacidade laboral”.
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho também vem pacificando-se
no sentido de aplicar esta teoria quando o conhecimento da lesão a um direito
não coincidir com o início da contagem do prazo na forma tradicional, como se
infere pela seguinte ementa de acórdão em Embargos:
RECURSO DE EMBARGOS
INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007. PRESCRIÇÃO. ACTIO NATA.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AÇÃO CRIMINAL PROPOSTA PELO EMPREGADOR APÓS A
DISPENSA POR JUSTA CAUSA. FALSIFICAÇÃO DE ATESTADO MÉDICO. ABSOLVIÇÃO CRIMINAL
SUPERVENIENTE. SENTENÇA PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE DA ADULTERAÇÃO DO
ATESTADO MÉDICO ATRIBUÍDA À EMPRESA. Trata-se de controvérsia a respeito da
actio nata para a contagem da prescrição da pretensão à indenização por danos
morais e materais decorrentes de falsa imputação de crime efetuada por
ex-empregador e dos dissabores daí decorrentes: dispensa por justa causa,
submissão a processo criminal por iniciativa da empresa e fechamento do mercado
formal de trabalho para a autora, em virtude do processo criminal. Embora o
pedido de danos morais e materiais guarde certa relação com a justa causa
aplicada pelo ex-empregador, a causa de pedir não está alicerçada na reversão
da justa causa, mas sim na má-fé da empresa em falsificar documento de alta
médica, imputá-la à autora e com isso provocar a denúncia da reclamante como
incursa nas penas do artigo 304 do Código Penal, com submissão a processo
judicial e efeitos decorrentes, com alegada experimentação de danos morais e
materiais. Uma coisa é a autora ter ou não praticado a conduta imputada pela
empresa para efeito de caracterização da justa causa e o prazo prescricional
decorrente. Outra é a definição de que quem praticou o ato de adulteração foi a
própria empresa, apurado pelo juízo criminal em sentença transitada em julgado,
e o prazo prescricional daí decorrente para efeito de responsabilização
civil-trabalhista dos dissabores causados e provocados pela empresa à
trabalhadora. Considerando-se a causa petendi da reclamação trabalhista e a
certeza do comportamento da empresa em prejuízo da empregada, que somente se
concretizou após o trânsito em julgado da sentença penal, entendo que este deve
ser considerado como o momento da ciência inequívoca da responsabilidade pelo
dano - até então indefinida -, para efeito de contagem do prazo prescricional,
nos termos do art. 200 do Código Civil. Somente após o trânsito em julgado da
sentença penal, atribuindo à empresa a autoria e a materialidade da adulteração
do atestado médico, teve a autora ciência inequívoca da extensão da lesão do
dano moral. Logo, verificado o trânsito em julgado da ação penal em 16/1/2007,
que atribuiu à própria empresa a autoria e a materialidade da adulteração do
atestado médico, e o ajuizamento da reclamação em 14/8/2008, antes de esgotado
o prazo bienal prescricional, não há prescrição a ser declarada. Recurso
conhecido por divergência jurisprudencial e provido.
RECURSO DE REVISTA EM FACE
DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE ACUSAÇÃO CRIMINAL. TRÂNSITO EM JULGADO
DA AÇÃO PENAL PROPOSTA. PRESCRIÇÃO. MARCO INICIAL. Ainda que a responsabilidade
civil seja independente da criminal, conforme preceitua o artigo 935 do Código
Civil, é certo que, em virtude do princípio da verdade real, próprio do Direito
Penal, a materialidade do fato e a sua autoria, quando apurados nessa esfera,
não mais podem ser questionados em outro campo. Nessa linha de raciocínio, a
pretensão do empregado de ser ressarcido por eventual dano moral decorrente do
fato de ter sido acusado da prática de crime que não cometeu surge com o
reconhecimento de que realmente não houve o delito ou de que, se houve, não foi
por ele cometido. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá
provimento.
RECURSO DE REVISTA.
PRESCRIÇÃO. DANO MORAL OCORRIDO APÓS A EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
INFORMAÇÕES DESABONADORAS EM RELAÇÃO AO RECLAMANTE. Em se tratando de dano
pós-contratual, o termo inicial da contagem do prazo prescricional não é a data
da extinção do contrato de trabalho, mas, sim, a data da ciência do dano pela
vítima. De outra parte, a pretensão à indenização por danos morais e materiais
decorrentes da relação de emprego constitui crédito de natureza trabalhista,
sujeito à incidência da prescrição bienal e quinquenal prevista no art. 7º,
XXIX, da CF. O fato gerador do dano ocorreu em março de 2010, e a ação foi
ajuizada em julho de 2010, nesta Justiça especializada, portanto, após a
EC-45/2004, quando não havia mais dúvidas quanto à competência e à prescrição
em relação à matéria. Observado, portanto, o prazo prescricional previsto no
art. 7º, XXIX, da CF, não há prescrição a ser declarada. Recurso de revista
conhecido e provido.
Nota-se pelas duas primeiras decisões acima citadas que no caso de o dano
pós-contratual ocorrer por falsa imputação, pelo empregador, de crime
alegadamente cometido pelo empregado, a contagem do prazo prescricional inicia-se
apenas na data do trânsito em julgado da sentença absolutória, uma vez que
apenas neste momento verifica-se, com certeza, que a acusação foi falsa.
Assim, no caso de dano moral ou material ocorrido após o término do
contrato de trabalho o início da contagem da prescrição bienal deve obedecer ao
princípio da actio nata, uma vez que apenas
com a ciência do dano é que se pode falar em surgimento do direito de reparação
e da pretensão correspondente.
CONCLUSÃO
É possível notar, a partir dos estudos desenvolvidos acima, que a boa-fé
objetiva deve ser guardada pelas partes não somente durante o cumprimento do
contrato firmado, mas também na sua fase de elaboração e também posteriormente.
Por isso, da mesma forma que há responsabilização do empregador por danos
decorrentes de ato ilícito ou abuso de direito realizados durante o período
contratual, também deverá haver indenização por danos ocasionados
posteriormente ao contrato, desde que guarde relação com este.
Claro que é muito difícil verificar se a conduta ilícita praticada provém
ou não do contrato de trabalho, mas cabe ao juiz do trabalho delimitar,
casuisticamente, a motivação do ato ilícito e os danos causados.
Até porque o dano causado posteriormente à cessação da relação de
emprego, como represália por alguma situação mal resolvida durante o vínculo de
emprego, deve agravar a indenização, pois não foi um mero ato ilícito
corriqueiro, mas sim um desrespeito consciente aos direitos da personalidade do
trabalhador, ao seu futuro profissional e ao princípio da boa-fé objetiva, o
que afeta prejudicialmente a sociedade como um todo.
E a competência material para apreciar as demandas que tratem deste tipo
de dano também deve ser da Justiça do Trabalho, da mesma forma que o é no caso
de Responsabilidade Civil comum na relação de emprego, pois apenas nos casos em
que o conflito se dá exclusivamente sem vínculo com o contrato de trabalho é
que se pode atribuir a competência a outro juízo, o que deve ser analisado com
cautela e casuisticamente.
Por sua vez, a contagem da prescrição da pretensão de reparação do dano
pós-contratual, como visto, deve seguir o princípio da actio nata, uma vez que a contagem da forma tradicional pode levar
a injustiças e impedir a efetividade de direitos trabalhistas.
Portanto, o momento da consolidação do dano deve ser o termo inicial para
a contagem do prazo prescricional, sendo oportuno reiterar o exemplo da
imputação falsa de crime pelo empregador, que somente fica demonstrada com a
sentença penal absolutória do ex-empregado acusado injustamente.
Visto isso, o que se pode observar é que as contradições existentes na
relação de emprego nem sempre conseguem ser pacificadas pelo Direito do Trabalho,
muitas vezes nem mesmo após o término formal da relação de emprego, que de
alguma forma permanece produzindo efeitos no que tange aos deveres básicos de
respeito mútuo e boa-fé objetiva.
Assim, tem-se que a Responsabilidade Civil do empregador em momento
pós-contratual reveste-se, acima de tudo, de mais um meio de proteção jurídica
do empregado, que por si só não teria meios de evitar condutas ilícitas,
necessitando do Poder Judiciário para ter efetivados seus direitos sociais,
direitos da personalidade e especialmente a sua dignidade humana.
REFERÊNCIAS
BARROS, Alice Monteiro de. Curso
de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2016.
CAVALIERI
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